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Com o cenário de preços baixos, muitos produtores preferem armazenar o cereal – nem que seja a céu aberto.
Parece duna, mas é milho. As “paisagens” do cereal espalhado pelo chão, armazenado do jeito que dá, foram recorrentes ao longo deste ano de safra recorde. Mesmo com tanto grão disponível, o maior importador de milho do Brasil, Santa Catarina, pretende trazer a mercadoria de fora, mais especificamente do Paraguai. Nacionalismo à parte, o motivo é simples: logística.
Santa Catarina é um dos principais produtores de proteína animal do país, sobretudo de leite, frango e carne suína, atividades que têm no cereal a base de seus insumos. No mapa, entretanto, a localização não trabalha a favor. De Chapecó, maior polo consumidor catarinense, a Sorriso, no Mato Grosso, estado que mais produz milho no Brasil, são mais de 2 mil quilômetros. “Santa Catarina está muito distante desse milho abundante”, defende o secretário adjunto de agricultura, Airton Spies. Aos poucos, porém, ganha corpo a ideia da integração entre os países sul-americanos. Recentemente, a secretaria de agricultura de Santa Catarina participou de um encontro com representantes de províncias do Paraguai e da Argentina para começar a viabilizar o projeto de uma Rota do Milho.
A ideia é que o cereal paraguaio seja escoado pelo Rio Paraná até a província de Misiones, na Argentina, e de lá transportado de caminhão até Dionísio Cerqueira, no Extremo-Oeste catarinense. Acha muito? É aproximadamente 1/5 da distância que, hoje, é percorrida pelo milho comprado de Mato Grosso. “Nós consumimos 6,5 milhões de toneladas e produzimos metade disso, temos um déficit de 50%”, diz Spies. “E é uma atividade essencial. O setor de proteína responde por 60% do PIB agropecuário do estado e esse PIB agropecuário forma 29% do PIB total catarinense. Temos buscado milho de muito longe, o custo do frete equivale ao preço do produto na origem.”
E o mercado?
Uma das grandes queixas, além da distância, é a dificuldade em comprar milho. Com o cenário de preços baixos, muitos produtores preferem armazenar o cereal – nem que seja a céu aberto – a vender com uma margem considerada insatisfatória, além dos momentos em que as exportações acabam compensando mais para os agricultores. “[A Rota do Milho] poderia influenciar ainda mais os preços. Dependendo de como estiver o mercado, pode favorecer a vinda de milho estrangeiro”, avalia o analista de mercado da AgRural, Adriano Gomes. “Por exemplo, tivemos uma valorização no mercado interno nos últimos 10, 15 dias, porque as granjas têm oferecido preços melhores. Em algumas praças, como no Norte do Paraná, vimos a saca passando de R$ 21 para R$ 25”, acrescenta.
Com mais milho paraguaio, a reação seria improvável. Possibilidade que já preocupa os produtores rurais. “Para nós, com certeza, é problema”, afirma o diretor do sindicato rural de Sorriso, Tiago Stefanello Nogueira. Ele contesta a ideia de que o cereal do lado de lá da fronteira seja mais vantajoso. “Importar um produto, com o câmbio do jeito que está, é bem mais oneroso. Isso é jogada da indústria para baixar ainda mais os preços”, argumenta. Caso o projeto saia do papel, é possível que o milho verão perca ainda mais espaço nas lavouras. “Dependeria muito de como iria estar o mercado de soja. A ideia é sempre plantar o que estiver mais em alta, principalmente no Paraná, que tem possibilidade de fazer safrinha. Se o preço do milho continuar caindo, cada vez mais devemos ter migração”, avalia Adriano Gomes. “No caso da safrinha, o foco é maior na exportação, por isso não teria tanta influência, mas, dependendo do momento e da oferta, poderia impactar também”, completa.
O secretário catarinense parece preparado para os protestos. “Para produtores da região, incluindo o Paraná, o pior cenário seria se não déssemos sustentabilidade para o setor de proteína aqui. Em termos de benefícios, é melhor trazer do Paraguai, para ampliar a produção aqui e garantir a sobrevivência da indústria”, pondera. “E sobre o milho de Mato Grosso: o Brasil exporta 30 milhões de toneladas, os 3 milhões de Santa Catarina, supondo que buscássemos tudo no Paraguai, representam 10%. não mexe muito no cenário nacional…” Luís Carlos Gonçalves, presidente do sindicato rural de Nova Mutum, também em Mato Grosso, diz que a solução “à paraguaya” não é a melhor: para ele, santo de casa pode, sim, fazer milagre. “O que precisamos é de planejamento de longo prazo, algo que a gente vem discutindo há vários anos. A logística precisa ser melhor e precisamos de um alinhamento entre produtores e consumidores, saber o que fazer com o excedente antes da safra, para que os dois lados fiquem garantidos.”
Fonte: GAZETA DO POVO